• A Idéia

Comumente uma excursão à praia com alunos é encarada como uma atividade extra, dispensável, sem conotação educacional mais profunda.
Essa idéia não é muito disparatada pois quem já teve a oportunidade de acompanhar um desses grupos em excursão deve ter notado a folia, a freqüente desordem. Muitos professores nem se arriscam, pois, não sabendo bem o que fazer na praia, temem o caos.
Tendo essa preocupação em mente,  apresentamos uma proposta de como essa atividade pode ser abordada, de modo a trazer grande satisfação para todo o grupo.

De modo geral, uma excursão à praia é um importante recurso didático para várias disciplinas, da pré-escola à faculdade. Nossa proposta está mais ligada a um curso de ciências ou a programas de educação ambiental, e se adequa a vários níveis de escolaridade. A idéia foi desenvolvida, basicamente, durante cursos de "Introdução à Biologia Marinha", por nós ministrados no Centro de Biologia Marinha da USP, para professores de pré-escola do Município de São Sebastião, SP.   Ela decorreu da necessidade de estes professores  encontrarem  maneiras de traduzir aos seus alunos as noções aprendidas. Essa excursão já foi realizada, com êxito, por alguns desses professores, e por um de nós, com classes de ciências de 5a  a  7a séries.

  • Pressupostos

Como somos biólogos, a essência desta excursão à praia  reflete nossa visão de um curso de ciências (biológicas ou ambientais): uma oportunidade para desenvolver, principalmente, a) vínculos afetivos com o ambiente e os seres vivos, b) a observação como ponto de partida para o interesse pelo estudo, e c) conceitos básicos das interrelações entre os organismos e o ambiente. Assim, a excursão deixa de ser  mera ilustração de fatos e da teoria exposta durante as aulas.
A excursão que propomos ainda é caracterizada por uma metodologia educativa específica. Procuramos situá-la no contexto da Abordagem Centrada na Pessoa (para maiores informações sobre esta abordagem e uma emocionante leitura, procure "Liberdade para Aprender em Nossa Década", de Carl R. Rogers, editora Artes Médicas, Porto Alegre, 1983). Em linhas gerais, acreditamos que o professor deva confiar na observação e na criatividade de seus alunos. (Lembre-se de que, às vezes, os alunos necessitam de um certo tempo para se acostumar ao novo ambiente, para relaxar e "gastar" a energia acumulada durante a viagem) Se ele assim o fizer, poderá realizar qualquer excursão sem receio, pois sempre serão levantados assuntos interessantes e importantes para discussão; esses, por sua vez, geram resultados riquíssimos do ponto de vista educacional. Portanto, não há modelos de como uma excursão deve ser programada e executada: cada caso é um caso; uma excursão nunca será igual à outra.
O clima da excursão deve ser de grande liberdade. O estudo na praia será naturalmente desenvolvido a partir da vivência de cada participante, à medida em que este vai experimentando o ambiente, acompanhado pelo professor. Assim, a exploração do ambiente deverá resultar  numa variedade de dados que o professor poderá organizar com seus alunos, posteriormente, em temas a serem desenvolvidos em sala de aula.
Por último, encaramos essa excursão com um espírito fortemente preservacionista. Numa época de tamanha degradação ambiental, achamos que o respeito aos elementos de nosso meio deve ser ainda mais cultivado. Nesse sentido, a coleta de organismos vivos deve ser evitada. Mesmo para fins educativos, a necessidade de sacrificar animais e plantas é questionável. Além disso, achamos que observar um ser vivo inteiro, onde ele vive, é mais intrigante do que estudá-lo num vidro com formol.

  • Temas

Eis alguns temas que podem ser organizados a partir das observações feitas na praia: a importância do mar (como fonte de alimento, regulador do clima, recreação, transporte etc.), erosão, marés, planetas, organismos, indícios de organismos, atividades humanas (pesca, lixo, esgoto etc.), vegetação e acidentes geográficos...
Como exemplo (e não como roteiro), citamos algumas questões de alunos de Ciências de 5a a 7a séries, levantadas durante excursões a uma praia no município de São Sebastião (SP):

1) De onde vêm as areias grossa e fina ?
2) Como o ouriço-do-mar enxerga se não tem olho ?
3) Como a esponja, que não se mexe, apareceu na pedra ?
4) Como se forma a concha de um marisco? Todas têm "bicho" dentro ?
5) O que é piche ?
6) Por que às vezes tem água mais quente em cima e fria em baixo ? E o contrário ?
7) Por que a água do mar fica mais quente quando chove ?
8) Uma praia protegida tem mais seres vivos ?
9) O que é isso ? E aquilo ? O que come ? Faz  mal ?

Como podemos observar, as questões feitas pelos alunos são bastante diversas. Algumas podem parecer extremamente simples; nem por isso devem ser desprezadas. Nem sempre o professor consegue respondê-las no momento em que surgem. Não há o que temer, afinal ninguém é especialista em tudo. O importante é estar investigando com os alunos,  atento às questões e comentários, servindo-se deles  para  construir seu próprio conhecimento.

  • Antes da Excursão

Visite previamente a praia. Isso ajudará a detectar lugares perigosos, por exemplo, que devem ser evitados. Conhecer antes o local também pode ajudá-lo a detectar aspectos  interessantes, para os quais você poderá chamar a atenção dos alunos. Afinal, quantas coisas interessantes nos passam despercebidas? Às vezes basta que alguém nos convide a observá-las para despertar nossa curiosidade !
Conhecer o local também permitirá avaliar o tempo necessário para a excursão (viagem, caminhada, lanche, retorno) e verificar a existência de estrutura de apoio nas proximidades, como sanitários, assistência médica, telefone etc.
É importante que você planeje a excursão para um dia e horário em que a maré esteja bem baixa (consulte as previsões sobre os níveis de maré no site da DHN e veja maiores detalhes abaixo). Nesta ocasião mais organismos poderão ser vistos, sem a necessidade de se entrar na água ou mergulhar.
Prepare a turma para uma experiência de investigação e descoberta, enfatizando a importância de estar com os olhos (e outros sentidos) atentos. Numa excursão com alunos que moram praticamente à beira-mar em São Sebastião, encontramos, numa pequena extensão da praia, pelo menos vinte seres vivos que eles não conheciam! Os alunos ainda ficaram fascinados ao descobrir que os pequenos organismos crescem, respiram, se reproduzem, enfim, têm um estilo particular de vida. Isso e as questões levantadas no dia geraram assunto para um bimestre de aulas...
Para que a experiência na praia seja bem aproveitada e livre de certas preocupações, recomendamos, ainda, o seguinte:

1) Dependendo do número de alunos, leve ajudantes (pai s, professores, irmãos mais velhos)
2) Oriente os alunos quanto a roupas, lanche, preços de passagem etc.
3) Tome cuidado para não pisar em ouriços-do-mar, ostras, mexilhões e cracas e evite caminhar sobre rochas cortantes, molhadas, ou recobertas por "limo" (camada fina e escorregadia de algas que recobre as pedras mais úmidas). Um tênis velho é uma ótima proteção para os pés.
4) Informe seus alunos para não manusearem caranguejos ou siris grandes, e águas-vivas - embora nem todas causem queimaduras, não as toque, por precaução
5) Leve sacos plásticos e outros recipientes para guardar conchas vazias, ossos, sementes, algas secas, ou outros restos de animais e plantas que achar interessantes. Esse material tem grande utilidade em atividades em classe e pode ser usado para relembrar a excursão, contar estórias, fazer colagens, pesquisar em livros.
6) Equipe-se com caderno, lápis, régua, termômetro, bacia, lente de aumento etc.
7) E não se esqueça dos sacos de lixo. Procure deixar o local como o encontrou: pronto para os próximos observadores.

  • A Onde Ir ?

Para observar mais organismos, procure uma região com substrato duro:  um costão rochoso, as pilastras de um atracadouro, as pedras de um molhe, um recife. Estes organismos  são geralmente mais visíveis durante as marés baixas, especialmente os sésseis ou que se locomovem pouco, como esponjas, cracas, ostras, ouriços, mexilhões, anêmonas-do-mar, estrelas-do-mar etc.

Os animais que se locomovem (caranguejos, baratinhas-da-praia, caramujos, estrelas-do-mar, pepinos-do-mar, ouriços-do-mar etc.) muitas vezes procuram abrigo sob pedras, em fendas, em meio às algas, ou ainda migram para locais com água. Pequenos peixes e camarões também podem ser vistos em poças de água que se formam entre as pedras. Observar tudo isso, entretanto, nem sempre é fácil. São necessários paciência e olhos afiados: muitos animais e algas são pequenos, estão escondidos, ou têm cor semelhante à do substrato.

Na areia da praia os organismos estão geralmente enterrados, o que dificulta sua observação. Para vê-los seria necessário interferir mais no ambiente, cavando, desfazendo tubos e galerias. Isso deve ser evitado. Observem, porém, rastros, buracos, restos e outros indícios de vida na areia. Lembre-se, entretanto, que nem todos os restos ou vestígios de vida encontrados na areia são proveniventes desse ambiente. Muitas conchas vazias encontradas comumente na areia da praia, por exemplo, pertenceram a espécimes que viviam em costões rochosos ou outros ambientes.

  • Durante a Excursão

A grande maioria dos seres que vivem na região entremarés não oferece perigo. Se você não se sentir muito à vontade em manuseá-los, procure não demonstrar medo ou nojo dos organismos. Permita, por outro lado, que seus alunos o façam: o contato direto cria, ou reforça, vínculos afetivos fundamentais. Lembre-os  que os  organismos devem ser manuseados com cuidado e recolocados no local exato onde foram coletados. Animais e algas presos nas rochas não devem ser arrancados, pois  não conseguem se fixar novamente e morrem.
As características dos seres encontrados podem ser observadas atentamente, anotadas, e desenhadas para posterior estudo e identificação através de textos ou fotografias, substituindo, assim, a coleta dos mesmos. Dá mais trabalho, mas o desafio é maior.
Para observar melhor muitos dos organismos que vivem nos costões rochosos  coloque-os numa bacia com água do mar do local, constituindo  um "aquário temporário". Este "aquário" permite visualizar  detalhes do comportamento, locomoção, forma e cor dos organismos. A imersão na água revela muitas das estruturas dos animais e plantas. Uma anêmona, um lírio-do-mar  ou uma alga, por exemplo, ficam murchos, sem graça, quando fora de água.

O aquário ainda possibilita um contato mais intenso com os organismos, o que ajuda a perder o medo, incentivando cuidado e respeito. Escolha animais móveis (caramujos, estrelas, ouriços-do-mar, ermitões, pepinos-do-mar, caranguejos etc.), plantas soltas, ou pequenas pedras com plantas ou animais fixos. Coloque poucos organismos de cada vez na bacia, deixando-a à sombra, e troque a água de vez em quando.  Ao fim da atividade, recoloque tudo exatamente onde foi coletado.

  • Em Classe

De volta à escola, discuta com os alunos as observações. Organize com eles, a partir dos dados e questões levantadas, os temas a serem desenvolvidos durante as aulas. Procurem  respostas às perguntas, consultando a bibliografia indicada no final deste artigo, outros livros,  revistas,  pessoas da comunidade etc.
Para uma excursão com este enfoque, achamos dispensável que o professor conheça nomes específicos de organismos, e que entenda a fundo processos físicos e químicos que ocorrem neste ambiente. A mera memorização de termos científicos tem sido tão supervalorizada que muitas pessoas reconhecem uma alga ou um coral, por exemplo, sem saber que se tratam de SERES VIVOS !

  • Marés

O nível da água do mar sobe e desce geralmente duas vezes por dia, resultando quatro eventos extremos: duas marés altas e duas marés baixas, alternadamente. Os horários em que estas ocorrem variam conforme o dia e o local; estão previstos num pequeno livro chamado Tábua das Marés, editado anualmente pela Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN) da Marinha do Brasil. Estas tabelas, contendo dados para cerca de 40 portos, podem ser encontradas nas Delegacias da Capitania dos Portos, em  bibliotecas, iates clubes, etc.
Esses dados estão disponíveis, também, no site  da DHN (http://www.mar.mil.br/dhn/chm/tabuas/index.htm).

MarésObserve a figura do trecho de uma página das Tábuas das Marés referente ao porto de São Sebastião, SP, para o mês de setembro de 1999. Para o dia 1 de setembro estão previstas: uma maré alta (1.0 metro) às 04:36 da manhã, uma baixa (0.2m) às 12:47,  e novamente uma alta (0.8m) às 16:51. As alturas em parênteses são valores relativos. Quanto menor o número, mais baixa será a maré.
De um modo geral, um valor de 0.2 metro permite uma boa observação de organismos costeiros. Lembre-se, porém, de que estes valores são apenas previsões, e que podem não se concretizar por mudanças no tempo, como chuvas, ventos fortes e frentes frias.
Repare que há, em média, um intervalo de pouco mais de 6 horas entre uma maré baixa e uma alta. Como essa mudança de nível é gradual, muitos organismos litorâneos ficam expostos durante longos períodos. Uma excursão bem planejada quanto ao horário de chegada à praia possibilitará várias horas de observação. Chegando na praia 1 ou 2 horas antes da maré mais baixa, você teria mais de 4 horas para observar esses organismos.
As marés mais baixas de cada mês ocorrem nos períodos de lua cheia e de lua nova, que também estão indicados pelos símbolos nas Tábuas.

 

 


  • Le ia M ais:

Animais de Nossas Praias, Carlos Nobre Rosa, Editora da Universidade de São Paulo, Instituto Brasileiro de Educação Ciência e Cultura (IBECC), 1963.
Exploração Submarina, Hen Haining, Coleção Prisma, Editora da Universidade de São Paulo, Editora Melhoramentos.
Enciclopédia do Mar, Editora Abril, 1975.
O Mar, Biblioteca da Natureza Life, Livraria José Olympo Editora, Rio de Janeiro.
Zoologia, Sérgio de Almeida Rodrigues, Editora Cultrix, São Paulo.
Zoologia Geral, Storer, Usinger, Stebbins e Nybakken, Companhia Editora Nacional, Sexta edição, 1988.


Diagramação de conteúdo: Antonio Augusto Della Rosa