Os corais formam ambientes de grande biodiversidade e importância ecológica, tanto em águas rasas, os conhecidos recifes de coral, como os não tão populares, mas não menos importantes, recifes de águas profundas. Esses organismos estão incluídos no mesmo grupo das anêmonas e medusas (filo Cnidaria) mas pertencem à ordem Scleractinia, sendo também conhecidos como corais verdadeiros ou corais pétreos. Nessa ordem, há corais que estabelecem relação de simbiose com algas unicelulares denominadas zooxantelas (corais zooxantelados) e outros que não apresentam essa relação (corais azooxantelados). Apesar de sua importância, a história evolutiva dos corais verdadeiros não é completamente compreendida por duas principais razões: (1) os estudos até há pouco tempo realizados foram baseados em pequenas parcelas da informação genética presente nesses organismos (apenas alguns genes); e (2) poucas espécies de corais azooxantelados foram incluídos em análises filogenéticas cujo objetivo era desvendar o grau de parentesco entre organismos de um determinado grupo.

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Membros da ordem Corallimorpharia (esquerda) e das famílias Micrabaciidae (centro) e Gardineriidae (direita) pertencentes à ordem Scleractinia. Micrabaciidae apresenta características anatômicas similares à ordem Corallimorpharia. Fotos: Monterrey Bay Aquarium (esquerda; https://montereybayaquarium.tumblr.com/image/107347678718), Tree of Life Project (centro; http://tolweb.org/Micrabaciidae/19116/2002.10.28), Hawaii Undersea Research Laboratory Archive (direita; https://www.soest.hawaii.edu/HURL/HURLarchive/guideimages_php/Scleractinia_045.php?category=Hard%20Corals).

 

Obter dados genéticos das famílias mais antigas de Scleractinia pode trazer informações a respeito da origem da linhagem dos corais como um todo, permitindo a formulação de hipóteses sobre como eram as características do ancestral dessa ordem, como por exemplo se ele apresentaria simbiose com zooxantelas. Dessa forma, nossa pesquisa (Seiblitz et al., 2020; ver referência completa abaixo) produziu quatro genomas mitocondriais (conteúdo genético presente na organela mitocôndria) da família Micrabaciidae e comparou essas sequências com outras da ordem Scleractinia, tornando possível observar se o uso de mais informação (todos os genes mitocondriais em vez de apenas alguns genes) produziria resultados diferentes dos observados em estudos anteriores.  Para tal, foi utilizado sequenciamento de DNA de alta eficiência (high throughput sequencing).

Ao se utilizar genomas mitocondriais em análises filogenéticas, o posicionamento da família Micrabaciidae é diferente do observado em outros estudos, sendo essa a primeira linhagem a divergir dentre os corais verdadeiros.

 

Em pesquisas anteriores baseadas na informação genética, Micrabaciidae aparece próxima à família Gardineriidae, também composta por corais azooxantelados, formando o grupo denominado “Basal”. Entretanto, nosso trabalho apresenta fortes evidências de que Micrabaciidae é a primeira linhagem de corais, seguida por Gardineriidae e pelos demais corais. As diferenças entre as duas famílias são suportadas por dissimilaridades em caracteres estruturais do esqueleto ao nível microscópico e quanto à anatomia, esta última similar em alguns aspectos à da ordem Corallimorpharia, atualmente considerado o grupo mais próximo a Scleractinia. Quanto às características do ancestral comum dos corais verdadeiros, a filogenia obtida suporta que esses organismos tenham sido azooxantelados e solitários (corais que não formam colônias,sendo compostos por um único pólipo). Assim, este estudo mostra que a associação entre corais e zooxantelas e a colonialidade dos corais verdadeiros são características que aparecem secundariamente na história evolutiva do grupo, reforçando assim a importância de  incluir corais azooxantelados de profundidade e utilizar um maior número de marcadores moleculares associados a estudos morfológicos como base para o conhecimento da evolução dos corais verdadeiros.

Em estudos anteriores, Micrabaciidae (a-e) foi recuperada como uma linhagem mais próxima a Gardineriidae (direita; f-i) formando o clado “Basal”. Contudo, há diferenças entre essas famílias no que tange a estrutura de seus esqueletos.

 

Leia o artigo completo: Seiblitz I.G.L., Capel K.C.C., Stolarski J., Quek Z.B.R., Huang D., Kitahara M.V. (2020). The earliest diverging extant scleractinian corals recovered by mitochondrial genomes. Scientific Reports, https://doi.org/10.1038/s41598-020-77763-y.

Isabela Seiblitz concluiu seu Mestrado junto ao Programa de Pós Graduação em Biologia e Ecologia Marinha e Costeira da Universidade Federal de São Paulo, com bolsa FAPESP. Foi orientada pelo Prof. Marcelo V. Kitahara no projeto "Filogenômica da ordem Scleractinia (Cnidaria, Anthozoa): relações entre evolução da ordem e mudanças climáticas", desenvolvido na UNIFESP, CEBIMar e National University of Singapore. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós Graduação em Zoologia da Universidade de São Paulo.