Nos dias 13 e 14 de março de 2019, as águas em torno do Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo (CEBIMar/USP) se tornaram avermelhadas.

marevermelha

No dia 14/03, a mancha avermelhada foi registrada em imagens aéreas obtidas com um drone.
Foto: Alvaro Migotto.

Análises de amostras de água de superfície, que haviam sido coletadas nesse período para atividades de ensino e pesquisa, revelaram a presença de grandes concentrações de organismos unicelulares planctônicos, potencialmente tóxicos.

No dia 13/03 foram encontrados, entre outros organismos, os dinoflagelados Alexandrium e Dinophysis. No dia seguinte, observou-se que mancha era formada quase que exclusivamente por dinoflagelados do gênero Margalefidinium (foto abaixo), atingindo densidades suficientes para gerar um potencial de toxicidade para organismos planctônicos e peixes.

Margalefidinium

As amostras de água obtidas dentro das manchas revelaram concentrações que superam 2 milhões de células por litro de água. A temperatura da superfície da água do mar nesses locais esteve acima de 29oC e a salinidade baixa, por volta de 33. A relação inversa encontrada entre o número de células e a salinidade sugere que o aporte de nutrientes em águas fluviais tenha sido a causa da proliferação da espécie no canal de São Sebastião.

grafico sal denscelulas

A beleza natural do litoral norte do Estado de São Paulo, de perfil recortado, entremeado por praias dos mais variados tipos e emoldurado pelo verde da Mata Atlântica, move em grande parte o turismo na região. Contudo, assim como acontece em outras regiões costeiras, a população residente e flutuante do litoral tem aumentado muito sem que haja investimentos em saneamento compatíveis com esse crescimento.

Uma dentre as diversas consequências da ocupação intensa e desordenada das cidades litorâneas é o aumento da entrada de nutrientes nos ecossistemas marinhos costeiros, seja pelo maior escoamento de esgotos domésticos e industriais não tratados, seja pela remoção da vegetação nativa, a qual, quando intacta, é responsável pela absorção e reciclagem de grande quantidade de nutrientes.

A ciência tem mostrado, já por algumas décadas, relações consistentes entre o aumento do aporte de nutrientes em regiões costeiras e crescimento e acúmulo de micro-organismos na água, incluindo muitas espécies de algas que por vezes formam as chamadas “marés vermelhas”. Nem sempre vermelhas, algumas dessas florações podem ser nocivas a outros organismos marinhos e às pessoas. Em especial, durante as florações uma grande quantidade de matéria orgânica é acumulada, podendo alterar todo o metabolismo do ecossistema, uma vez que a concentração de oxigênio dissolvido na água é reduzida abaixo de níveis críticos. As toxinas produzidas por algumas das espécies podem afetar uma grande variedade de organismos marinhos. Com frequência, as marés vermelhas de algas tóxicas comprometem sobremaneira a saúde pública, principalmente pelos efeitos do consumo de pescado contaminado. De forma preocupante, a intensidade e frequência dessas florações têm aumentado em várias regiões por todo o mundo, em decorrência dos desequilíbrios ambientais decorrentes de interferências antrópicas, pelas mudanças climáticas e ainda pela introdução de espécies exóticas através do transporte em águas de lastro de navios. O litoral norte de São Paulo está sujeito a todos esses processos, e devemos esperar e nos preparar para o aumento dos eventos de maré vermelha.

Existem florações que ocorrem naturalmente nos oceanos, sem a necessidade de aportes complementares de nutrientes, e que não causam grandes problemas ambientais porque não produzem toxinas. Esse é o caso das florações da cianobactéria Trichodesmium e da diatomácea Asterionellopsis que são observadas vez ou outra nas praias de São Sebastião, Caraguatatuba e Ilhabela. A primeira forma manchas de cor ferrugem que se assemelham a pó de serragem flutuando na superfície do mar, enquanto que a segunda forma manchas marrom-chocolate e é responsável pela formação de grande quantidade de bolhas de ar na zona de arrebentação de praias, como observado com frequência na Praia de Maresias. Porém, há registros recentes de ocorrência de espécies potencialmente tóxicas no Canal de São Sebastião, como os dinoflagelados Dinophysis (2016) e Gymnodinium (2017), ambas espécies observadas em coletas para atividades de ensino e pesquisa do CEBIMar/USP.

Os países desenvolvidos têm realizado a detecção antecipada e o monitoramento dessas florações para aferir a qualidade ambiental e alertar a população quanto a possíveis riscos do banho e da prática de esportes aquáticos, assim como do consumo de pescado e frutos do mar extraídos na região afetada. Há, no entanto, a necessidade de desenvolver expertise local para o monitoramento de marés vermelhas. 

É de suma importância que sejam estabelecidos programas amplos de monitoramento, envolvendo não apenas as universidade e instituições públicas responsáveis pelo controle da qualidade ambiental. É necessário cobrir todas as etapas do processo (detecção, identificação e análise de material fresco no laboratório, acompanhamento das manchas até sua dissipação etc.), além de engajar a população local quanto aos riscos associados a esses eventos.