Tubastraea coccinea, o popular coral-sol, está entre as espécies invasoras mais bem-sucedidas da atualidade. Nativo da região indo-pacífica (Fenner & Banks 2004), T. coccinea foi introduzido no oceano Atlântico na década de 1940 e desde então tem expandido sua área de ocorrência (Caribe, Golfo do México e Atlântico Sudoeste), sendo atualmente considerado o coral de águas rasas com maior distribuição geográfica conhecida (Creed et al. 2017). No Brasil, T. coccinea foi primeiramente identificado em plataformas de petróleo na Bacia de Campos, Rio de Janeiro, no final da década de 1980 (Castro & Pires 2001), e hoje é reportado em mais de 3.500 km da costa brasileira (de Sergipe à Santa Catarina; Oigman-Pszczol et al. 2017), onde impacta negativamente as comunidades bentônicas (Creed 2006). Além de poder alcançar até 100% de área de cobertura (Mantelatto et al. 2011), o coral-sol compete com espécies nativas (e.g., Palythoa caribaeorum - Luz & Kitahara, 2017) e endêmicas do Brasil, como o coral-cérebro Mussismilia hispida (Lages et al. 2011; Riul et al. 2013; Santos et al. 2013; Miranda et al. 2016).

coralsolO coral-sol pode dominar quase que por completo certas áreas do substrato rochoso, como ocorre na Ilha de Búzios, no litoral norte de São Paulo  - Foto Leo Francini.

 

A alta dispersão e propagação de T. coccinea em áreas não naturais são consequências de constantes introduções secundárias (Capel et al. 2019) somadas às suas características oportunistas, incluindo diversas estratégias reprodutivas, como maturidade precoce (Fenner & Banks 2004; Glynn et al. 2008), rápido crescimento e alta taxa de recrutamento (Lages et al. 2011; Costa et al. 2014). Além disso, a fragmentação das colônias e alta capacidade de regeneração do coral-sol são fatores que aumentam sua capacidade de dispersão e sobrevivência (Luz et al. 2018).

Visando avaliar como a história de vida do coral-sol define sua adaptação e sobrevivência nas áreas em que não ocorre naturalmente, nosso trabalho teve como objetivo principal a investigação do efeito do tamanho das colônias, temperatura, salinidade e periodicidade lunar na performance reprodutiva de T. coccinea durante um dos principais eventos reprodutivos da espécie. O segundo objetivo foi a análise dos estágios de desenvolvimento e competência larval.

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Estágios de desenvolvimento do coral-sol Tubastraea coccinea. (a) colônia adulta com larvas no interior dos tentáculos; (b) embriões; (c) larvas recém formadas; (d) larvas maduras; (e) larva recém assentada; (f) larva que se despreendeu do substrato; (g) grupo de larvas assentadas; (h) larva assentada; (i) larva em metamorfose; (j) larva metamorfoseada; (k) recruta. Escala: 0.5 mm.

No total, foram registrados 18.139 descendentes oriundos de 10 colônias mantidas em laboratório durante 91 dias. Durante esse período, os eventos de liberação larval foram influenciados pelo ciclo lunar, sendo que as intensas liberações de larvas ocorreram em temperaturas da água do mar de 26˚C. Apesar de termos verificado que colônias maiores tendem a gerar um número proporcionalmente maior de larvas, não foram incomuns eventos de alta abundância de larvas liberadas por colônias relativamente pequenas (menos do que 35 pólipos).

Diferentes estratégias reprodutivas foram, pela primeira, vez observadas em T. coccinea. Colônias adultas mostraram ter capacidade de liberar larvas em diferentes graus de formação (embriões em diferentes fases de desenvolvimento e larvas recém-formadas e maduras), e não apenas pela boca, mas também através de pequenos poros situados na ponta dos tentáculos. O tempo necessário para os descendentes completarem o desenvolvimento (de larva até pólipo fundador de uma nova colônia) variou significativamente, sendo 14 dias o tempo mínimo necessário para alcançar o estágio de pólipo com início da deposição de esqueleto.

O extenso e variado período de competência larval observado em laboratório sugere que as larvas de T. coccinea podem permanecer na coluna d’água por um período variável até encontrarem um local adequado para assentar e iniciar a formação de uma nova colônia, e esse maior ou menor tempo depende diretamente do tamanho da colônia mãe e do estágio de vida em que as larvas se encontram quando são liberadas na água. As colônias menores de T. coccinea liberaram larvas que permaneceram um menor tempo na coluna d’água e esse comportamento indica uma possível estratégia para colonizar rapidamente as áreas invadidas, uma vez que não é incomum observar em campo uma alta agregação larval ao redor de colônias pequenas.

Nossos resultados demostram que as estratégias reprodutivas somadas a alta abundância de descendentes liberados são relacionadas ao alto potencial de dispersão e invasão observado em T. coccinea. Desta forma, além de ajudar explicar a rápida dispersão deste coral nas áreas invadidas, nossos resultados podem subsidiar cientificamente as ações do Plano Nacional de Prevenção, Controle e Monitoramento do Coral-sol (Portaria N° 3.642/2018 do IBAMA).

 

Para ler o artigo completo acesse:

http://dx.doi.org/10.1002/ece3.6346

Luz, Bruna L. P.; Di Domenico, Maikon; Migotto, Alvaro E.; Kitahara, Marcelo V. 2020. Life-history traits of Tubastraea coccinea: Reproduction, development, and larval competence. Ecology and Evolution: ece3.6346. 

 

Material adicional (vídeos) em: https://www.youtube.com/playlist?list=PL7qks14c2RedmXI08XNYwd_zMLRTxzSgD

 

Para saber mais:

Capel KCC, Creed J, Kitahara M V., Chen CA, Zilberberg C (2019) Multiple introductions and secondary dispersion of Tubastraea  spp. in the Southwestern Atlantic. Sci Rep 9:13978. doi: 10.1038/s41598-019-50442-3

Castro CB, Pires DO (2001) Brasilian coral reefs: what we already know and what still missing. Bull Mar Sci 69:357–371.

Costa TJF, Pinheiro HT, Teixeira JBJB, Mazzei EF, Bueno L, Hora MSC, Joyeux JC, Carvalho-Filho A, Amado-Filho G, Sampaio CLSCLS, Rocha LA (2014) Expansion of an invasive coral species over Abrolhos Bank, Southwestern Atlantic. Mar Pollut Bull 85:252–253. doi: 10.1016/j.marpolbul.2014.06.002

Creed JC (2006) Two invasive alien azooxanthellate corals, Tubastraea coccinea and Tubastraea tagusensis, dominate the native zooxanthellate Mussismilia hispida in Brazil. Coral Reefs 25:350. doi: 10.1007/s00338-006-0105-x

Creed JC, Fenner D, Sammarco P, Cairns SD, Capel K, Junqueira AORR, Cruz I, Miranda RJ, Carlos-Junior L, Mantelatto MC, Oigman-Pszczol S, Marcelo C, Mantelatto C, Le RJM, Oigman-Pszczol S (2017) The invasion of the azooxanthellate coral Tubastraea (Scleractinia: Dendrophylliidae) throughout the world: history, pathways and vectors. Biol Invasions 19:283–305. doi: 10.1007/s10530-016-1279-y

Fenner D, Banks K (2004) Orange cup coral Tubastraea coccinea invades Florida and the Flower Garden Banks, Northwestern Gulf of Mexico. Coral Reefs 23:505–507. doi: 10.1007/s00338-004-0422-x

Glynn PW, Colley SB, Maté JL, Cortés J, Guzman HM, Bailey RL, Feingold JS, Enochs IC (2008) Reproductive ecology of the azooxanthellate coral Tubastraea coccinea in the Equatorial Eastern Pacific: part V. Dendrophylliidae. Mar Biol 153:529–544. doi: 10.1007/s00227-007-0827-5

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Luz BLP, Kitahara M V. (2017) Could the invasive scleractinians Tubastraea coccinea and T. tagusensis replace the dominant zoantharian Palythoa caribaeorum in the Brazilian subtidal? Coral Reefs 36:875. doi: 10.1007/s00338-017-1578-5

Luz BLP, Capel KCC, Zilberberg C, Flores AA V., Migotto AE, Kitahara M V. (2018) A polyp from nothing: the extreme regeneration capacity of the Atlantic invasive sun corals Tubastraea coccinea and T. tagusensis (Anthozoa, Scleractinia). J Exp Mar Bio Ecol 503:60–65. doi: 10.1016/j.jembe.2018.02.002

Mantelatto MC, Creed JC, Mourão GG, Migotto AE, Lindner A (2011) Range expansion of the invasive corals Tubastraea coccinea and Tubastraea tagusensis in the Southwest Atlantic. Coral Reefs 30:397. doi: 10.1007/s00338-011-0720-z

Miranda RJ, Cruz ICS, Barros F (2016) Effects of the alien coral Tubastraea tagusensis on native coral assemblages in a southwestern Atlantic coral reef. Mar Biol 163:1–12. doi: 10.1007/s00227-016-2819-9

Oigman-Pszczol S, Creed JC, Fleury B, Mantelatto MC, Capel KCC, Meireles C, Cabral D, Masi B, Junqueira A (2017) O controle da invasão do coral-sol no Brasil não é uma causa perdida. Artig e Ensaios 56–59. doi: 10.21800/2317-66602017000100019

Riul P, Targino CH, Júnior L a C, Creed JC, Horta PA, Costa GC (2013) Invasive potential of the coral Tubastraea coccinea in the southwest Atlantic. Mar Ecol Prog Ser 480:73–81. doi: 10.3354/meps10200

Santos LAH, Ribeiro F V, Creed JC (2013) Antagonism between invasive pest corals Tubastraea spp. and the native reef-builder Mussismilia hispida in the southwest Atlantic. J Exp Mar Bio Ecol 449:69–76. doi: 10.1016/j.jembe.2013.08.017