O popular coral-sol representa duas espécies de corais, Tubastraea tagusensis e Tubastraea coccinea. Esta dupla, que nem brasileira é (são nativos do Indo-Pacífico), tem sido um grande problema para a biodiversidade marinha brasileira desde a década de 1980. Ao invadir ambientes naturais, estas espécies têm gerado diversos impactos ecossistêmicos muitos dos quais ainda pouco compreendidos. Além de não terem sido convidados, eles crescem muito rápido e se reproduzem muito cedo. Não têm inimigos ou competidores nativos. Tudo isso, somado a uma elevada capacidade regenerativa, faz desses corais genuínos “duros na queda”.

Em paralelo a isso, é crescente o entendimento que todos os animais e plantas estabelecem ampla parceria com micro-organismos, incluindo bactérias. Ao que tudo indica, a relação é benéfica para o hospedeiro e responde a fatores ambientais facilitando sua aclimatação frente a mudanças ambientais. Contudo, ao analisar parte do microbioma, isto é, a comunidade bacteriana de diversas colônias de uma das espécies de corais-sol (T. tagusensis) provenientes de diferentes profundidades, não foram observadas diferenças significativas em sua composição, sugerindo que o perfil microbiano deste coral é estável e sofre poucas modificações decorrentes de fatores ambientais de pequena escala.

Em 2014, quando vários costões rochosos da Ilha dos Búzios, litoral norte de São Paulo, já estavam saturados de corais-sol, foram encontradas colônias de T. tagusensis com manchas escuras, apresentando sinais de necrose, o que aparentemente indicava que estavam doentes. As colônias parcialmente necrosadas, inicialmente restritas apenas a uma pequena baía da ilha mas que foram gradualmente se espalhando na região, representam o primeiro relato de doença em corais escleractíneos (que possuem esqueleto calcário) azooxantelados (que naturalmente não vivem em simbiose/parceria com microalgas que fazem fotossíntese, conhecidas como zooxantelas). Para compreendermos o fenômeno, a composição bacteriana em diversos estágios de necrose (inicial, intermediário e avançado – vide figura abaixo) foi caracterizada e posteriormente comparada.

figura1 aline

Colônias de Tubastraea tagusensis (Cnidaria, Anthozoa, Scleractinia) da Ilha de Búzios - SP, apresentando sinais de necrose no tecido. (A) e (B) estágio inicial da necrose do tecido, com um único pólipo exibindo apenas um pequeno ponto marrom (setas azuis). (C) - necrose tecidual que expande na borda do pólipo (estágio intermediário). (D) - Necrose tecidual em estágio avançado com pólipos conssumidos pela doença (seta verde), e pólipos já sem vida na colônia.

 

Desde os primeiros sinais de necrose tecidual (estágio inicial) foram observadas mudanças significativas na composição dos micro-organismos associados aos corais (aumento de diversidade e riqueza microbiana), quando comparado às colônias saudáveis. Entretanto, apesar da mudança da comunidade microbiana, a frequência relativa das bactérias encontradas exclusivamente em colônias doentes foi relativamente baixa. Isso pode indicar que a maioria dos micro-organismos encontrada nos corais doentes é composta por espécies oportunistas e/ou colonizadoras secundárias, que sobreviveram no coral devido ao desequilíbrio da comunidade microbiana causada pela infecção primária. Observamos também que a área afetada pela necrose não está diretamente relacionada à diversidade de micro-organismos associados. Ou seja, no estágio inicial, em que a necrose afeta menos de 0,25 cm2, identificamos uma maior diversidade de microrganismos se comparado com os outros estágios/desenvolvimento da doença. Essa variação no microbioma indica uma desestabilização rápida da comunidade simbionte durante os estágios iniciais da infecção e subsequente colonização por microrganismos oportunistas, como observado em outras doenças de corais.

As análises comparativas entre colônias saudáveis e doentes nos auxiliou a identificar um grupo de potenciais patógenos – que podem ser os causadores dessa doença –, dos quais cinco foram identificados até o nível de gênero: Arenicella, Spongiibacterium, Epibacterium, Sphingorhabdus e Ruegeria. Dentre elas, apenas Arenicella e a família de Sphingorhabdus já haviam sido identificadas em doenças de corais, a primeira presente em anomalias de crescimento do esqueleto no coral Platygyra carnosa e a segunda, descrita como um suposto patógeno associado a doença dos corais Acropora cervicornis e A. palmata. Apesar de Ruegeria também ter sido identificada, nossas análises indicam que ela tem papel benéfico para o coral hospedeiro. Epibacterium, uma espécie não associada a corais doentes, é encontrado sobre a superfície de algas marinhas; sua presença nos corais doentes pode estar relacionada à exposição do esqueleto do coral ao ambiente em decorrência da necrose, uma vez que conforme a necrose avança, o esqueleto exposto se torna um substrato potencial para vários organismos, como algas filamentosas.

Além destes gêneros, as famílias Flavobacteriaceae e Rhodobacteriaceae também foram encontradas em alta abundância nos corais-sol doentes e já haviam sido associadas às seguintes doenças de corais: Banda Branca; Peste Branca; Banda Amarela; Síndrome Branca; Síndrome da Mancha Branca e Banda Preta. Além da necrose tecidual, nos corais-sol também foi observado o enfraquecimento do esqueleto das colônias afetadas, o que pode estar relacionado a maior frequência de Mastigocoleus, um grupo de bactérias conhecidas por ter capacidade de bioerosão (corrosão de um substrato duro por um organismo vivo).

Embora mais uma doença afetando corais seja preocupante, se a necrose continuar se expandindo pode acabar contendo ou controlando a bioinvasão de T. tagusensis no SE do Brasil. Apesar de ter se mostrado um “super bioinvasor”, a alta taxa de clonalidade e, portanto, a baixa variabilidade genética (indivíduos de uma população com baixa variabilidade genética apresentam menor chance de sobreviver caso ocorra uma mudança drástica no ambiente) e as características do seu microbioma podem ser desvatajosas para esta espécie, tornando-a mais suscetível a doenças, como a necrose de tecido recém descrita.

Assim, o futuro de T. tagusensis no Brasil pode ser incerto, podendo existir um vislumbre de esperança em um dos maiores casos de bioinvasão marinha já documentado!

 

Os resultados da pesquisa desenvolvida em parceria no CEBIMar, Instituto de Ciências Marinhas, UNIFESP, e Programa de Pós-Graduação em Sistemas Costeiros e Oceânicos, UFPR, reportando o primeiro caso de doença em um coral azooxantelado, foram publicados no periódico Scientific Reports.

 

Leia o artigo: Zanotti, A.A., Gregoracci, G.B., Kitahara, M.V. 2021. The microbial profile of a tissue necrosis affecting the Atlantic invasive coral Tubastraea tagusensis. Scientific Reports 11: 9828. DOI: 10.1038/s41598-021-89296-z

 

Saiba mais:

Abel, L & Capel, K. 2010. Retirada de corais da costa brasileira: como isso pode ser bom para o ambiente marinho? CEBIMar Notícias, 8 ago 2019.

Kitahara, M. 2016. Simbiose coral / alga e a formação dos recifes de corais de águas rasas. CEBIMar Notícias, 8 nov 2016.

Luz, B. 2020. As diversas formas reprodutivas e de ciclo de vida que fazem do coral-sol uma espécie invasora bem-sucedida. CEBIMar Notícias, 24 jun 2020.

Abel, L., Kitahara, M.V. & Migotto, A.E. 2018. Turistas acidentais, hóspedes indesejados. São Sebastião: CEBIMar/USP.

 

Aline Zanotti concluiu o Mestrado junto ao Programa de Pós-Graduação em Sistemas Costeiros e Oceânicos, UFPR. Foi orientada pelo Prof. Marcelo V. Kitahara no projeto "Sucessão da comunidade microbiana associada à doença do coral invasor, Tubastraea tagusensis", desenvolvido no CEBIMar. Atualmente, é doutoranda no mesmo programa e estuda a microbiota de corais de águas profundas, buscando correlacionar com aspectos adaptativos e evolutivos da ordem Scleractinia.