Conhecidas como medusas-da-lua, as espécies do gênero Aurelia estão entre as mais populares águas-vivas. Apesar de não serem as mais comuns no Brasil, são cultivadas em aquários ao redor do mundo e aparecem como exemplo clássico de água-viva em livros didáticos. Também estão entre as medusas mais estudadas por diversas áreas da ciência, frequentemente aparecendo na mídia internacional porque podem formar grandes agregados populacionais (conhecidos como blooms), que no caso das medusas-da-lua acontecem principalmente em regiões mais frias.

Desde o século 19, taxonomistas (cientistas que se dedicam não só a dar nomes às espécies, mas também a estudar as relações evolutivas entre elas) têm dificuldade em separar as supostas espécies de Aurelia, sobretudo pela similaridade entre algumas delas. Tradicionalmente, as espécies de organismos são descritas com base em caracteres físicos, e para isso, é necessário identificar uma ou mais características, como coloração, tamanho e formato do corpo e de suas estruturas, tanto macro como microscópicas, que ocorrem somente em uma determinada espécie e que, portanto, a diferenciam das demais. Em muitos casos, descobrir essas diferenças com base nesses caracteres ditos morfológicos é bem mais complicado do que parece.

As tecnologias que permitem a aquisição de dados moleculares têm se tornado cada vez mais acessíveis, sendo assim adotadas por taxonomistas para ajudar a distinguir e descrever espécies. Essas informações moleculares são obtidas a partir de fragmentos do DNA, cujas constituição e variação de tamanho são particulares de cada espécie. Dessa forma, nos últimos 20 anos estudos têm mostrado que existem espécies crípticas de Aurelia, isto é, que previamente eram impossíveis de serem diferenciadas com base na morfologia. Para complicar ainda mais, alguns desses estudos mostraram que, em certos casos, a morfologia pode variar conforme o ambiente. Como é possível então identificarmos as espécies quando não há diferenças morfológicas para caracterizá-las?

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Aurelia cebimarensis foi descrita com base em um exemplar coletado próximo à Ponta do Baleeiro, em São Sebastião, onde se localiza o CEBIMar. A espécie ocorre na costa do estado de São Paulo, tendo sido encontrada também no litoral de Sergipe.

 

Um estudo recentemente publicado (veja abaixo) analisou medusas-da-lua de diversas partes do mundo, tanto de exemplares mantidos em cultivo em aquários quanto preservados em coleções de museus. Uma primeira conclusão é que a separação das espécies com base na morfologia era de fato impossível, sobretudo devido à variabilidade morfológica observada. Sendo assim, os autores lançaram mão da informação contida no DNA das espécies, conseguindo distingui-las a partir de diagnoses moleculares: um conjunto de bases dos fragmentos do DNA particular de cada espécie. Dessa forma, foram capazes de reconhecer 28 espécies no gênero! Entre estas, 10 são espécies novas para a ciência, incluindo a que foi dedicada ao Centro de Biologia Marinha (CEBIMar) da USP, Aurelia cebimarensis, coletada nas proximidades da instituição em 2013. Reconhecer a diversidade de espécies é superimportante, ainda mais no atual cenário de grandes e rápidas mudanças ambientais globais, para que possamos entender como cada uma das espécies é afetada por essas alterações e como podemos conservá-las.


Leia o artigo completo: Lawley JW, Gamero-Mora E, Maronna MM, Chiaverano LM, Stampar SN, Hopcroft RR, Collins AG, Morandini AC. 2021. The importance of molecular characters when morphological variability hinders diagnosability: systematics of the moon jellyfish genus Aurelia (Cnidaria: Scyphozoa). PeerJ 9:e11954 DOI 10.7717/peerj.11954


Saiba mais:

Chiaverano LM, Bayha KW, Graham WM (2016) Local versus Generalized Phenotypes in Two Sympatric Aurelia Species: Understanding Jellyfish Ecology Using Genetics and Morphometrics. PLoS ONE , v. 11, n. 6, article e0156588. DOI: 10.1371/journal.pone.0156588

Dawson NM, Jacobs DK. 2001. Molecular Evidence for Cryptic Species of Aurelia aurita (Cnidaria, Scyphozoa). Biological Bulletin, n. 200, p. 92-96. DOI: https://doi.org/10.2307/1543089 (Texto completo disponível na Biblioteca do CEBIMar/USP - Para solicitar cópia envie mensagem para Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.).

 Aurelia. Wikipedia, 2021. Disponível em: https://en.m.wikipedia.org/wiki/Aurelia_(cnidarian)

Aurelia Lamarck, 1816. Worms - World Register of Marine Species, 2021. Disponível em: http://www.marinespecies.org/aphia.php?p=taxdetails&id=135263


Jonathan W. Lawley  concluiu o Mestrado junto ao Programa de Pós-Graduação em Zoologia (USP), sendo orientado por André C. Morandini (IBUSP e CEBIMar) no projeto "A identidade da água-viva Aurelia (Cnidaria, Scyphozoa) do litoral brasileiro e discussões sobre a sistemática e taxonomia do gênero", desenvolvido na USP e no Smithsonian Institution (EUA) com apoio da FAPESP. Atualmente desenvolve seu Doutorado na Griffith University (Austrália).