Pesquisadores analisam diferentes níveis de restrição do acesso humano em áreas de conservação de recifes de coral.
Desde 1983, o Arquipélago de Abrolhos faz parte de um Parque Nacional Marinho, uma Área Marinha Protegida (AMP) que restringe a pesca e regula atividades de turismo. Este santuário marinho abriga um dos recifes de coral mais biodiversos do Atlântico Sul, e cuida para que que as atividades humanas não afetem negativamente as comunidades de peixes recifais e a cobertura bentônica local.
Para analisar a eficácia do método de conservação das AMPs e seus diferentes níveis de restrição de acesso nas ilhas (1), foi formada uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo e do Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo, com ampla experiência em ecologia marinha - principalmente de peixes recifais. Foram necessárias quatro expedições que contaram com muitas parcerias e colaborações locais e internacionais.
Os pesquisadores obtiveram apoio direto do Parque Nacional, através de monitores ambientais, que acompanharam de perto todo o trabalho em campo, e apoio logístico, com vagas na base do parque na ilha Santa Bárbara, bote inflável e compressor de ar para as operações de mergulho. Os pesquisadores também contaram com um financiamento da Rufford Foundation (Reino Unido) para complementação das atividades de campo e sequência da pesquisa.
Natural de Guanhães o pesquisador Helder Guabiroba foi o coordenador da equipe de expedição à Abrolhos. Graduado em Oceanografia (UFES) e com mestrado pelo Programa de Pós Graduação em Biologia Animal (PPGBAN) da UFES, trabalha atualmente pela mesma instituição de sua formação. Com 7 anos de carreira, seus trabalhos mais importantes foram sobre a pesca recreativa na Ilha da Trindade (2) e a importância de áreas intangíveis no Parque Nacional Marinho de Abrolhos (1), além de suas contribuições com várias outras pesquisas científicas.
Pesquisador Helder Guabiroba conduzindo atividade de pesquisa subaquática. Foto: Luiz A. Rocha.
Em entrevista, Guabiroba relata que teve a ideia inicial de investigar se existiam diferenças nas comunidades recifais entre áreas visitadas e não visitadas no Arquipélago de Abrolhos - ideia essa trabalhada em sua dissertação de mestrado. Assim, explica:
“Durante uma temporada trabalhando como voluntário no Parque Nacional dos Abrolhos em 2015, eu fiquei extremamente curioso pra saber como eram as áreas intangíveis do arquipélago e como e por quê foram criadas. Me deparei com o fato de existirem pouquíssimos trabalhos sobre esse tema na região, que além de ser uma das mais estudadas, também é muito frequentada por turistas. Vários trabalhos sobre a descrição e ecologia das comunidades de peixes e bentos da região de abrolhos e também alguns mais recentes sobre o comportamento de mergulhadores foram fundamentais pra elaboração e contextualização da ideia.”
Recifes da Ilha Guarita, um dos ambientes do Arquipélago de Abrolhos onde a visitação é controlada. Fotos: Ronaldo B. Francini-Filho.
Após os resultados dos estudos das amostragens realizada pela equipe no arquipélago, os pesquisadores entenderam a importância das restrições abordadas.
“Neste trabalho, nós mostramos que áreas com acesso restrito de pessoas possuem uma maior biomassa de peixes piscívoros (predadores) e herbívoros, além de uma maior porcentagem de cobertura de corais quando comparadas às áreas frequentemente visitadas. Isso mostra que mesmo que uma unidade de conservação proteja as espécies de atividades como a pesca, ela pode ser mais efetiva se possuir áreas totalmente fechadas, sem visitação de grande número de pessoas”
As AMPs proporcionam ambientes seguros para indivíduos de várias espécies crescerem e se reproduzirem sem a influência de atividades humanas extrativistas, permitindo que espécies já sobre-explotadas possam se recuperar, aumentando sua biomassa e abundância. Na expedição de maio de 2016, pôde-se observar uma grande quantidade de corais branqueados, ou seja, afetados pelo aquecimento global - uma das espécies notadas foi o Coral de Fogo Millepora alcicornis.
Ilha Santa Bárbara no Arquipélago dos Abrolhos. Foto: Helder Guabiroba.
Ilha Siriba, um dos locais de alta visitação no Arquipélago dos Abrolhos. Em contraste, no fundo, encontra-se a Ilha Sueste, onde a visitação é proibida.
Foto: ECO360.
Com isso, o pesquisador cita sobre a continuidade dos projetos de pesquisas nas áreas de recife de coral e conclui:
“A ideia agora é estudar o comportamento dos peixes entre os locais muito visitados, pouco visitados e não visitados. Assim iremos evoluir no entendimento de como os organismos marinhos percebem a nossa presença e como isso pode influenciar na ecologia doas ambientes recifais”
Leia o artigo completo:
(1) - Guabiroba, H.C., Vilar, C.C., Pinheiro, H.T., Joyeux, J.-C. 2022. Limited human access is linked to higher effectiveness in a marine sanctuary. Journal of Environmental Management, v. 311, article 114838. https://doi.org/10.1016/j.jenvman.2022.114838
(2) - Guabiroba, H.C., Santos, M.E.A., Pinheiro, H.T., Simon, T., Pimentel, C.R., Vilar, C.C., Joyeux, J.C. 2020. Trends in recreational fisheries and reef fish community structure indicate decline in target species population in an isolated tropical oceanic island. Ocean and Coastal Management, 191, article 105194. https://doi.org/10.1016/j.ocecoaman.2020.105194
Kissila F. Sperdutti é graduanda em Jornalismo pela UFJF, orientada por Hudson T. Pinheiro e dedicada ao Jornalismo Científico e Investigativo.
Hudson T. Pinheiro, cientista do Centro de Biologia Marinha da USP, desenvolve projetos de pesquisa e extensão relacionados a diversidade e conservação de peixes em ambientes recifais, explorando ecossistemas remotos e profundos.