O dióxido de carbono (CO2) é um gás presente na atmosfera e colabora com o efeito estufa, que aquece nosso planeta, tornando-o um lugar com temperaturas favoráveis à manutenção da vida. O desenvolvimento humano tem gerado maiores concentrações desse gás na atmosfera, que agora são relacionadas ao aquecimento excessivo da Terra, trazendo consequências prejudiciais para os ecossistemas e organismos que neles habitam. Os oceanos podem absorver boa parte deste gás, já que é um dos ingredientes para a fotossíntese do fitoplâncton. Porém, os oceanos são bastante heterogêneos, tanto em temperatura e salinidade, que afetam a fotossíntese, como em espécies de fitoplâncton. Assim, é importante estudar a relação entre as características de um ambiente marinho e os diferentes organismos do fitoplâncton e sua capacidade de absorver o CO2 atmosférico, principalmente nas regiões costeiras, onde esse conhecimento é carente.

Por meio de um estudo recente, em colaboração com pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande – FURG, investigamos regiões da costa Sudeste e Sul do Brasil até chegar à Patagônia Argentina (Figura 1), procurando registrar os diversos grupos de fitoplâncton presentes e sua eficiência para captar o CO2 da atmosfera e transferi-lo para a água do mar. Ao longo destas regiões costeiras da América do Sul nos deparamos com uma grande variedade de ambientes, caracterizados pela presença de grandes rios, lagoas costeiras e influência da circulação marinha, que se manifestam na variação da composição do fitoplâncton marinho.

 

america do sul

Figura 1 - Recorte da América do Sul com destaque para as regiões costeiras sudeste e sul. Os pontos coloridos indicam os locais e períodos de coleta de dados oceanográficos (físicos, químicos e biológicos) nos diferentes cruzeiros. A seta vermelha pontilhada representa a corrente do Brasil, fluindo de norte em direção ao sul. A corrente das Malvinas é representada pela seta pontilhada preta, fluindo de sul para norte.


O estudo traz, pela primeira vez para as regiões amostradas, informações que permitem quantificar a biomassa dos diferentes grupos do fitoplâncton presentes e relacioná-los à captação de CO2 (Figura 2). Como o CO2 é um gás, suas trocas entre a atmosfera e os oceanos são muito influenciadas pela temperatura da água, pois quanto maior a temperatura, menor a quantidade de gases dissolvidos na água e vice-versa. Por esse motivo, também dimensionamos e diferenciamos os efeitos da atividade biológica e da temperatura nesse processo.

 

fluxos CO2

Figura 2 – Variação dos fluxos de CO2 entre o oceano e a atmosfera na região costeira ocidental do oceano Atlântico Sul. A escala de cores à direita vai do vermelho (emissão de CO2 para a atmosfera) ao azul (absorção de CO2 atmosférico). Os gráficos em pizza mostram a composição dos grupos do fitoplâncton que variam de domínio de cianobactérias (amarelo) ao norte, haptófitas (cinza) na região de transição, e diatomáceas (azul) ao sul.  A seta gradiente vermelho-verde à esquerda mostra a diminuição da influência do efeito térmico (T, vermelho) e o aumento do efeito não-térmico (B, verde, que inclui a atividade biológica do fitoplâncton e outros organismos) em direção ao sul nos fluxos do CO2 observados na superfície do mar.


Quanto mais ao norte (mais próximo do sudeste brasileiro), detectamos fluxos positivos de CO2 (do oceano para a atmosfera) e conforme a análise do oceano costeiro se direcionou ao sul (no sentido da patagônia argentina), os fluxos se tornaram negativos (da atmosfera para os oceanos), mostrando a crescente importância das variáveis biológicas.

Assim, demonstramos que existe uma divisão da porção sudoeste do Atlântico Sul em duas regiões distintas, separadas por uma zona de transição localizada por volta do paralelo de 35°S, de acordo com os padrões de distribuição do fitoplâncton e dos fluxos do CO2. A região ao norte de 35°S de latitude apresenta maiores temperaturas e salinidade da superfície do mar, menor biomassa fitoplanctônica dominada por grupos de células menores (e.g. cianobactérias) e liberação de CO2 para a atmosfera. Na zona de transição (35°S–40°S), variações da salinidade e da temperatura e mudanças nos grupos fitoplanctônicos caracterizam uma zona onde a superfície da água passa a se comportar como uma região que absorve o CO2 da atmosfera. Na região mais ao sul, entre 40°S e 50°S de latitude, a maior biomassa de fitoplâncton, dominada por diatomáceas, está associada a valores mais baixos de temperatura e salinidade da superfície do mar e apresenta maiores taxas de absorção de CO2.

Os resultados desse trabalho reforçam a importância do monitoramento das espécies de fitoplâncton e das trocas de CO2 entre os oceanos e a atmosfera, pois alterações na primeira terão importância na segunda e, consequentemente, na regulação climática do planeta. O trabalho também sugere que uma possível consequência do aquecimento global será a redução na absorção de CO2 pelos oceanos associada a um declínio da dominância de células fitoplanctônicas menores.


Glossário

aquecimento global: corresponde ao aumento da temperatura média terrestre, causado pelo acúmulo de gases poluentes na atmosfera.

atmosfera: camada gasosa que envolve os corpos celestes. A atmosfera terrestre é formada por uma mistura de gases como oxigênio, nitrogênio e gás carbônico, entre outros.

biomassa: quantidade total ou parcial de organismos vivos existentes num determinado território e em dado momento.

cianobactérias: também chamadas de algas azuis ou algas cianofíceas, são micro-organismos procariontes capazes de realizar fotossíntese, mas não apresentam fotossistemas organizados em cloroplastos.

corrente das Malvinas: corrente de água fria que flui para o norte ao longo da costa atlântica da patagônia até a foz do Rio da Prata.

corrente do Brasil: corrente oceânica quente do Oceano Atlântico Sul cujo movimento é paralelo, de norte a sul, à costa leste da América do Sul.

diatomáceas: grupo de algas unicelulares, microscópicas, de hábito planctônico e cobertas por carapaça de sílica.

efeito estufa: efeito natural provocado pela absorção da radiação solar refletida na superfície do planeta por gases presentes na atmosfera, aquecendo a superfície terrestre.

fitoplâncton: comunidade de microrganismos fotossintetizantes que constituem a base alimentar da vida dos ecossistemas aquáticos.

fotossíntese: é um processo realizado por fitoplâncton, plantas e outros seres fotossintetizantes pelo qual ocorre a conversão da energia solar em energia química.

haptófitas: também chamadas primnesiófitas, são um grupo de microalgas marcadas pela presença de um flagelo diferenciado (haptonema). Algumas haptófitas têm como característica a presença de pequenas placas achatadas (cocólitos) formadas por carbonato de cálcio.

salinidade: medida da quantidade de sais dissolvidos em massas de água naturais. A concentração de sais dissolvidos em águas de mar aberto, é cerca de 3,5% ou 35.000 mg/L.


Leia o artigo completo:

Carvalho, A.O., Kerr, R., Tavano, V.M. et al. The southwestern South Atlantic continental shelf biogeochemical divide. Biogeochemistry 159, 139–158 (2022). https://doi.org/10.1007/s10533-022-00918-8


Andréa Carvalho é pesquisadora visitante FUNCAP  do Laboratório de Biogeoquímica Costeira - LABOMAR - UFC.

Áurea Ciotti é professora do CEBIMar/USP.