“Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”. Essa é uma frase bem conhecida do mundo dos super-heróis e, cá entre nós, um conselho de vida para lá de bom. Ao ter contato com histórias como as que incorporam essa frase, hoje globalizadas e finalmente inclusivas, somos transportados para uma dimensão na qual imaginamos que todos nós somos capazes de ações heroicas que podem mudar o mundo.

Os oceanos do nosso planeta estão povoados de super-heróis, que apesar de serem difíceis de ver, por serem microscópicos, têm enormes poderes e responsabilidades. O plâncton é uma comunidade de organismos muito diversa, e utilizando o poder da fotossíntese, uma parte deles - o fitoplâncton - se torna responsável por manter vivos os outros seres do oceano. Dizemos que organismos que fazem fotossíntese (autotróficos) formam a base da cadeia alimentar, o que significa que são utilizados como alimento por aqueles que não têm esse poder (heterotróficos). Como os oceanos cobrem 70% da superfície da Terra, a responsabilidade é grande. Além disso, acúmulos de plâncton acontecem frequentemente (as chamadas florações de microalgas), acarretando impactos ecológicos e econômicos por vezes significativos.

A fotossíntese é um processo que ainda guarda mistérios, embora os cientistas a estudem já há bastante tempo e consigam quantificá-la nos oceanos. A transferência da energia, desde a captação da luz do sol (fotossíntese) até o desenvolvimento e reprodução de uma dada espécie de peixe ─ possibilitando que ela cresça e produza filhotes ─, passa por uma rede intrincada de relações entre organismos e reações químicas complicadas à beça. Hoje sabemos que muitos super-heróis do plâncton conseguem escolher se fazem fotossíntese ou não (chamados mixotróficos), então medir bem a transferência de energia que vem do plâncton é desafiador e nos exige identificar as espécies presentes no ambiente e seus modos de vida.

Para complicar ainda mais as coisas, ações como poluição e aquecimento global (grandes poderes humanos), interferem no crescimento das espécies de plâncton, que agora precisam ser continuamente acompanhadas em programas de monitoramento (grandes responsabilidades humanas).

Um estudo recente realizou um inventário dos organismos fotossintetizantes do plâncton do canal de São Sebastião/SP e demonstrou a ocorrência de grupos bem conhecidos nas águas costeiras do Brasil, como diatomáceas e dinoflagelados, mas também a presença de cianobactérias, tanto em forma livre, como associadas a outras espécies por meio de simbiose (veja a figura abaixo). Cianobactérias simbiontes foram observadas em diatomáceas, o que significa que a hóspede (simbionte) vive dentro da hospedeira (diatomácea) e ambas se beneficiam disso. Ao contrário das diatomáceas, algumas cianobactérias têm capacidade de obter o nitrogênio, abundante na atmosfera como gás e geralmente escasso nas águas do canal, e são chamadas de diazotróficas. Assim, quando esses organismos estão presentes, alteram a forma com que conseguimos prever o crescimento do plâncton em um dado lugar, pois estes podem crescer mesmo quando alguns nutrientes estão ausentes na água.

Fotografias de alguns seres do fitoplâncton presentes no canal de São Sebastião

Fotografias de alguns seres do fitoplâncton presentes no canal de São Sebastião obtidas com diferentes técnicas de microscopia e em distintas ampliações. Cianobactérias diazotróficas foram observadas em feixes de filamentos alongados (A) ou esféricos (B), e até mesmo em um único filamento (C). Um filamento com algumas células de uma espécie de diatomácea (D) e a mesma imagem, com outra metodologia de visualização, mostrando cianobactérias dentro delas (E). Várias outras diatomáceas (F, G, H, I, J, L e M) e um dinoflagelado (K).

 A presença das espécies diazotróficas e daquelas que podem promover florações no inventário alertam que o monitoramento do plâncton no canal de São Sebastião é uma responsabilidade que nós, humanos, não podemos deixar de assumir.


Leia o artigo publicado sobre esse estudo:

Tocci, B.R.C.; Moser, G.A.O. ; Ciotti, A.M. Phytoplankton composition from Araçá Bay and São Sebastião Channel, São Paulo, Brazil. Biota Neotropica, v. 23, n.2, online, 2023. DOI: 10.1590/1676-0611-BN-2021-1260 


 Saiba mais:

Microalgas marinhas nocivas / Elaborado por Luciano D. S. Abel, Aurea M.  Ciotti e Alvaro E. Migotto. São Sebastião: CEBIMar/USP, 2020.  2 p.

Plâncton: pequenos gigantes / Elaborado por Alvaro E. Migotto, Bruno C. Veluttini, Luciano D. S. Abel, Alberto Lindner. São Sebastião: CEBIMar/USP, 2013 (Reimpresso em 2016, 2017 e 2019). 2 p.


Áurea M. Ciotti é docente e vice-diretora do CEBIMar/USP. Coordena também o Laboratório Aquarela/CEBIMar/USP.