Em ambientes marinhos, algumas populações de organismos se distribuem de forma desigual, ocupando habitats fragmentados conhecidos como manchas de habitat. Estes locais oferecem recursos essenciais, como comida e abrigo, levando os indivíduos a se agruparem e formarem populações locais. Em uma escala maior, essas populações mantêm uma estrutura consistente ao longo do tempo, graças à dispersão de indivíduos que possibilitam a conexão entre as diversas manchas habitadas. A conexão entre as manchas pode diminuir a competição entre os indivíduos de manchas mais populosas e prevenir que a densidade populacional caia a níveis críticos em populações periféricas.

Anteriormente, acreditava-se que a conectividade entre essas populações ocorria principalmente através da dispersão larval. No entanto, agora sabemos que a movimentação de adultos em menor escala desempenha um papel crucial na conectividade reprodutiva de algumas espécies marinhas. Os deslocamentos entre manchas podem influenciar a distribuição e a estrutura populacional, ajudando a evitar interações competitivas e a maximizar a eficiência reprodutiva.

Para compreender melhor esses processos em populações marinhas, os pesquisadores Juliana Souza e Augusto Flores do CEBIMar/USP concentraram seus estudos em caranguejos da família Pinnotheridae, conhecidos como caranguejos-ervilha, que vivem em associação com bolachas-do-mar. Esses pequenos caranguejos, que podem chegar a 10 mm quando adultos, utilizam as bolachas como refúgio contra predadores, local para cópula e alimento, seja detritos localizados na região da boca da bolacha ou partes do corpo do próprio hospedeiro. Assim, a relação entre esses organismos pode ser considerada vantajosa apenas para os caranguejos-ervilha.

Como as bolachas-do-mar se distribuem de maneira uniforme no fundo arenoso, ou seja, com uma certa distância entre cada indivíduo, os caranguejos precisam sair de um hospedeiro para outro, a fim de encontrar parceiros reprodutivos. Cada bolacha garante espaço para no máximo quatro hóspedes, portanto, as movimentações de entradas e saídas de caranguejos são frequentes e importantes para aumentar suas chances de cópula. No entanto, sair da bolacha-do-mar pode ser um grande risco para esses organismos minúsculos. Assim, encontrar parceiros reprodutivos e abrigo nas bolachas mais próximas podem garantir a sobrevivência deles.

 

Bolacha-do-mar Encope emarginata em posição dorsal, comumente encontrada enterrada no sedimento (A); em posição ventral, revelando a localização natural do caranguejo-ervilha Dissodactylus crinitichelis (B); macho e fêmea dos caranguejos localizados na região ventral da bolacha (C). Fotos: Alvaro E. Migotto

 

Considerando a relação entre caranguejos-ervilha e bolachas-do-mar, esses equinodermos servem como verdadeiras manchas de habitat para muitas espécies de caranguejos da mesma família, e as movimentações entre hospedeiros podem ter um impacto significativo na dinâmica das populações desses caranguejos. O estudo revelou que, apesar da aparente uniformidade na distribuição das bolachas-do-mar em geral, os subconjuntos ocupados pelos caranguejos são notavelmente agregados. Esse comportamento é provavelmente influenciado pelas fêmeas, que são maiores que os machos e mediam as interações, expulsando outras fêmeas das bolachas que ocupam, indiretamente aumentando a frequência de bolachas que abrigam pares heterossexuais.

Em densidades moderadas de caranguejos, os movimentos de dispersão aumentam as chances de interações reprodutivas, potencialmente impulsionando a produtividade das populações. A fecundidade individual das fêmeas permanece alta em densidades intermediárias, mas diminui em densidades extremas, tanto baixas (devido à dificuldade em encontrar parceiros reprodutivos) quanto altas (devido à competição intraespecífica).

Em suma, os resultados da pesquisa confirmam a importância crucial da conectividade entre manchas de habitats na reprodução e sobrevivência de populações marinhas. Além disso, revelam que a movimentação dos adultos entre manchas é um mecanismo relevante para a dinâmica dessas populações. 


Leia o artigo completo sobre esse estudo:

Souza J.A., Flores, A.A.V. 2023. Abundance and active patch selection modulate reproductive connectivity and fitness of pea crabs living on sand dollars. Marine Ecology Progress Series. DOI: https://www.int-res.com/prepress/m14406.html


Saiba mais:

Souza J.A., Barroso D., Hirose G.L. 2019. Chemical recognition in the symbiotic pea crab Dissodactylus crinitichelis (Crustacea: Decapoda: Pinnotheridae): host and conspecific cues, Journal of Experimental Marine Biology and Ecology, 511: 108-112. DOI: https://doi.org/10.1016/j.jembe.2018.12.002

Baeza JA, Thiel M (2007) The mating system of symbiotic crustaceans: A conceptual model based on optimality and ecological constraints. In: Duffy JE, Thiel M (eds) Evolutionary Ecology of Social and Sexual Systems: Crustaceans as Model Organisms. Oxford University Press, p 250–267.


Juliana de Andrade Souza concluiu o Mestrado junto ao programa de Pós-Graduação em Biologia Comparada, FFCLRP/USP. Foi orientada pelo Prof. Dr. Augusto A. V. Flores no projeto “Efeitos da conectividade populacional na aptidão individual: um estudo de caso de caranguejos pinoterídeos associados a bolachas do mar”, desenvolvido no CEBIMar. Atualmente, é doutoranda no programa de Pós-Graduação em Ecologia, IB, USP, orientada pelo Prof. Dr. Ronaldo. B. Francini-Filho e estuda parâmetros relativos ao assentamento larval e migrações ontogenéticas de peixes recifais, também desenvolvido no CEBIMar.