É possível que você já tenha se deparado com alguma notícia, seja na TV, jornal, internet ou outro meio de comunicação, informando que os recifes de coral ao redor do mundo estão morrendo. Não é pra menos, pois problema ambiental é o que não falta: o repertório inclui desde a poluição e acidificação dos oceanos, passando pelas mudanças climáticas e desequilíbrios ecológicos, até dragagens do leito marinho e pesca com explosivos.

Estas atividades humanas são muito impactantes nos oceanos, o que requer, em contrapartida, um enorme esforço de conscientização da população e dos gestores de políticas públicas, bem como de conservação por parte de instituições de manejo e pesquisa do ambiente marinho. Neste contexto, pode ter causado estranheza a veiculação de reportagens mostrando o empenho de ambientalistas e cientistas em retirar corais de alguns locais do litoral brasileiro.

 

Os corais são estruturadores de ecossistemas marinhos

Corais são animais do grupo dos cnidários, o mesmo das águas-vivas, caravelas-portuguesas, anêmonas-do-mar, entre outros. Existem centenas de espécies de corais, algumas solitárias, outras coloniais, sendo as colônias agrupamentos de indivíduos adultos que vivem unidos fisicamente, crescendo com o nascimento de novos indivíduos geneticamente idênticos por reprodução assexuada. A grande maioria dos corais se desenvolve incrustada, isto é, aderida firmemente, sobre superfícies sólidas, que podem ser tanto rochas ou estruturas artificiais rígidas (píeres, boias etc.).

Alguns corais, classificados como escleractíneos e popularmente chamados de corais pétreos ou corais verdadeiros, têm a capacidade de absorver o carbonato de cálcio existente na água do mar e acumulá-lo lentamente em deposições calcárias, formando os esqueletos rígidos que sustentam as partes moles dos seus corpos. Colônias de corais escleractíneos, da mesma espécie ou não, podem crescer lado a lodo ou também umas sobre as outras, formando grandes sobreposições de rochas calcárias no leito marinho, os chamados recifes de coral.

No sentido horário, iniciando no alto à esquerda: aspecto geral de uma colônia de coral-sol no ambiente natural; alguns indivíduos em destaque (o corpo de cada um é representado por uma haste rosada com um disco de tentáculos amarelos no seu ápice); detalhe de dois indivíduos mostrando os tentáculos responsáveis pela captura de alimento ao redor da boca (fenda avermelhada); esqueleto calcário de uma colônia de coral-sol.  Fotos: Marcelo Kitahara, Alvaro Migotto e Luciano Abel.

Construídos por organismos vivos, os recifes de coral levam milhares de anos para se formar e podem alcançar quilômetros de extensão. São encontrados tanto em mares rasos tropicais quanto em profundidades de até 2.000 metros, servindo de abrigo e sustento para uma infinidade de seres marinhos – a biodiversidade dos recifes de coral é comparável ou até maior que a amazônica – que desenvolvem uma complexa rede de relações entre si e com o ambiente, um ecossistema.

As atividades humanas que alteram o bem-estar dos recifes, mencionadas acima, afetam não só os corais, mas todos os organismos que vivem ali, incluindo muitos de grande importância econômica, como peixes e crustáceos. Se grande parte das colônias de um recife de coral morre, morre também quase toda flora e fauna associadas a ele, o que pode colapsar a economia de muitos países em que a pesca e o turismo, por exemplo, dependem desses ambientes.

Aspecto de recife de coral diverso e saudável na Grande Barreira de Corais da Austrália. Foto: Marcelo Kitahara.

Por que remover colônias de corais do ambiente natural?

O coral que vem sendo retirado dos mares costeiros brasileiros, conhecido como coral-sol, é originário da região de transição entre os oceanos Índico e Pacífico, ou seja, muito longe do Brasil! A pergunta que naturalmente surge é: “Como esse coral veio parar aqui?”.

Tudo indica que o coral-sol tenha viajado até o Brasil incrustado em cascos de navios e plataformas de petróleo. As primeiras colônias foram avistadas no litoral do estado do Rio de Janeiro no final da década de 1980 e atualmente sua ocorrência no território nacional vai do Ceará à Santa Catarina. Este é um exemplo do que é tecnicamente chamado de espécie exótica: um organismo introduzido pela ação humana em alguma região que não faz parte da sua área de distribuição natural.

Em muitos casos, a espécie exótica alastra-se excessivamente e afeta as teias alimentares, seja pelo aumento da competição por espaço e recursos ou pela predação exacerbada de espécies nativas. Na medida em que as perturbações ambientais promovidas por uma dada espécie exótica tornam-se perceptíveis, ela é categorizada como invasora.

Nos oceanos, o desequilíbrio ambiental provocado por espécies exóticas invasoras pode ser tão impactante que interfere negativamente em atividades socioeconômicas relacionadas à pesca, ao turismo e ao transporte marítimo, por exemplo. Para minimizar os possíveis danos, são criados e efetivados programas nacionais e intergovernamentais de manejo das espécies invasoras, visando à eliminação ou controle populacional, assim como o impedimento da chegada de novos invasores.

Em determinados locais do litoral brasileiro há tantas colônias de coral-sol que o substrato marinho está quase que completamente tomado por elas, impossibilitando o estabelecimento de espécies nativas de coral ou de outros seres e alterando completamente a paisagem submarina. Este fato categoriza o coral-sol como uma espécie exótica invasora e justifica as ações de remoção de suas colônias.

Costão rochoso submerso, tomado por colônias de coral-sol, nas proximidades da ilha de Búzios, litoral norte de São Paulo. Foto: Marcelo Kitahara.

Somente a retirada de colônias não nos livra do problema

A remoção das colônias de coral-sol constitui um trabalho árduo, especializado, caro e, por vezes, inglório. Embarcações levam mergulhadores experientes a locais de difícil acesso, onde duplas trabalham golpeando, com marreta e talhadeira, as colônias incrustadas nos paredões rochosos submersos e coletando os pedaços que se soltam. Quando as embarcações retornam à terra firme, as colônias extraídas são contadas, pesadas e posteriormente eliminadas. 

Dupla de mergulhadores retirando colônias de coral-sol de paredão submerso no Arquipélago de Alcatrazes, litoral norte de São Paulo. Foto: Leopoldo Francini

Devido ao crescimento rápido, grande capacidade regenerativa e alta produção de larvas, o coral-sol frequentemente retoma os paredões algum tempo depois da remoção. Por isso as ações de extração são concentradas em alguns poucos locais de maior importância biológica e onde sua presença ainda não é prevalente, como na Estação Ecológica de Tamoios, localizada na região da baía da Ilha Grande, no Rio de Janeiro, no Refúgio de Vida Silvestre do Arquipélago dos Alcatrazes, litoral norte de São Paulo, no Parque Marinho da Laje de Santos, na Baixada Santista e na Reserva Biológica Marinha do Arvoredo, em Santa Catarina.

Apesar da situação alarmante, a pesquisadora Kátia Capel, do Centro de Biologia Marinha da USP (CEBIMar/USP) é favorável à continuidade e aumento da frequência de expedições de retirada de colônias de coral-sol como mitigação do problema. Segundo ela, “As atividades de manejo no Arquipélago dos Alcatrazes – coordenadas e realizadas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, em parceria com o CEBIMar/USP e financiadas pela WWF-Brasil – têm apresentado bons resultados, possibilitando o controle do aumento desenfreado da população do coral invasor. Isso acontece porque a retirada de colônias diminui também o número de larvas que é liberado no ambiente, deixando mais espaço disponível para que a comunidade nativa prospere”.

Paralelamente, vêm sendo desenvolvidas pesquisas no CEBIMar/USP que tentam decifrar o genoma do coral-sol e quais genes estão envolvidos na sua reprodução, desenvolvimento e elevado poder de regeneração, além de outras, de cunho ecológico, que verificam as alterações causadas por sua presença nas comunidades de peixes e de invertebrados que vivem associadas aos corais nativos. Tais estudos permitem compreender a amplitude do impacto desse coral invasor e como ele se estabelece com sucesso frente às variáveis ambientais, ajudando no desenvolvimento de novas tecnologias a serem utilizadas na contenção da sua propagação pela costa brasileira.

 

Glossário

biodiversidade – também chamada diversidade biológica, é a variedade de formas de vida e suas relações fisiológicas, ecológicas e evolutivas existentes em determinado local ou época.

calcário – denominação das rochas sedimentares cujo principal componente é o carbonato de cálcio.

carbonato de cálcio – substância química de fórmula CaCO3 e natureza alcalina, resultante da reação da cal virgem (CaO) com o dióxido de carbono (CO2).

comunidade – conjunto de todas as espécies que habitam um mesmo local e interagem entre si num determinado período de tempo, ou seja, a parte viva de um ecossistema.

gene – unidade fundamental da hereditariedade, constituído por um segmento da cadeia de DNA.

genoma – toda a informação hereditária de um organismo que está codificada em seu material genético, como o DNA.

larva – estágio imaturo, anterior à forma adulta, presente no processo de desenvolvimento de alguns animais.

regeneração – recomposição de tecidos e órgãos após algum dano físico.

reprodução assexuada –reprodução que ocorre sem a mistura de material genético, de forma que um único progenitor gera uma prole geneticamente idêntica (clones), a não ser que haja mutação gênica.

substrato – superfície, base ou meio sobre o qual os organismos se apoiam ou se desenvolvem.

teia alimentar – também chamada de rede alimentar, é a interligação resultante das cadeias alimentares numa comunidade biológica.

variável ambiental –condição física, química ou biológica do ambiente natural que oscila temporalmente, como temperatura, luminosidade, pH, disponibilidade de alimento, entre outras.

 

Para saber mais

Artigo da Agência FAPESP sobre a invasão do coral-sol: http://agencia.fapesp.br/coral-invasor-da-costa-brasileira-apresenta-grande-capacidade-de-regeneracao/27769/

Artigo do portal G1 sobre a invasão do coral-sol: https://g1.globo.com/natureza/desafio-natureza/noticia/2019/04/30/martelo-e-talhadeira-viram-armas-contra-a-invasao-do-coral-sol-no-litoral-brasileiro.ghtml

Artigo da Agência Universitária de Notícias da USP sobre a resistência do coral-sol ao aumento da temperatura: https://paineira.usp.br/aun/index.php/2018/09/05/aquecimento-global-pode-intensificar-hegemonia-de-coral-invasor/

Matéria do Jornal da USP sobre a retirada de corais-sol: https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-ambientais/cientistas-martelam-contra-coral-invasor-no-litoral-paulista/

Material informativo sobre espécies exóticas no litoral norte de São Paulo: http://cebimar.usp.br/images/cebimar/servicos-e-produtos/edicoes/folheto_exoticas.pdf

Página na internet do Projeto Coral Vivo, que contém livros e materiais de divulgação científica e educação ambiental sobre os recifes de coral brasileiros: http://coralvivo.org.br/

Página na internet, em inglês, com informações sobre os recifes de coral de profundezas: http://lophelia.org/