É comum o CEBIMar/USP receber escolas durante o ano letivo para realizar visitas monitoradas sobre os organismos e ambientes marinhos, além do público geral durante os meses das férias escolares. Entretanto, no mês de abril, foi a escola E.M. Prof Maria Francisca Santana de Moura Tavolaro, localizada no bairro Pontal da Cruz, no município de São Sebastião/SP, que recebeu uma equipe composta por sete pessoas do CEBIMar e do ICMBio/Alcatrazes. A atividade foi um marco importante para o encerramento do primeiro bimestre, ao longo do qual o tema “Oceano” foi trabalhado na escola de forma transversal, ou seja, abordado em diferentes matérias.
Nos dias 16 e 17 de abril, aproximadamente 290 alunos(as), de 11 turmas do 6° ao 9° ano, entraram em contato com conceitos relacionados às espécies exóticas e invasoras, os problemas causados por elas nos ambientes marinhos, alguns métodos de pesquisa e controle de uma espécie invasora presente no litoral do Brasil, conhecida popularmente como coral-sol, e o papel das Unidades de Conservação na proteção da biodiversidade. O tema foi escolhido já que a bioinvasão, ou invasão biológica, é umas das principais causas de perda de biodiversidade (marinha e terrestre) e de serviços ecossistêmicos, mas é menos conhecido pela sociedade quando comparada a outras ameaças ambientais como mudanças climáticas, perda de habitat, poluição e sobre-exploração de recursos naturais. Por causar danos ambientais, sociais e econômicos, em março do corrente ano foi publicado um relatório temático que listou 476 animais e plantas exóticas invasoras no território brasileiro (consulte aqui o relatório temático).
Embora seja um tema muito relevante, os assuntos relacionados com as espécies exóticas invasoras são pouco abordados no contexto escolar e poucos livros didáticos incluem algum aspecto desta temática (Borges et al., 2023; Silva & Silva, 2020). Estudantes e professores(as) da escola Profa. Maria Francisca tiveram a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre espécies nativas, exóticas e invasoras marinhas, um problema global que foi contextualizado à realidade local a partir de exemplos e do resgate de conhecimentos dos(das) estudantes.
Sobre a atividade
A quadra esportiva da escola se transformou em palco de uma exposição composta por organismos vivos, esqueletos de corais nativos e exóticos, maquete da Ilha de Alcatrazes, fotografias de organismos marinhos, equipamentos de mergulho (cilindro de ar, colete e regulador de mergulho) e de pesquisa, folders e livros sobre temas marinhos (Figura 1). A exposição foi organizada em formato de circuito contendo quatro estações com diferentes atividades que serão relatadas a seguir.
Figura 1: Estações do circuito educativo sobre espécies exóticas e invasoras. Foto: María Soledad López
Aprendendo sobre bioinvasão
Inicialmente, cada turma era recebida pela equipe do Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo para participar de uma roda de conversa. Os(as) alunos(as) eram indagados(as) sobre seus conhecimentos sobre espécies exóticas. A maioria acreditava que espécies exóticas são aqueles organismos (animais principalmente) de difícil observação, muito diferentes ou que têm aspecto extravagante. O conceito científico de espécie exótica foi explicado (segundo a Convenção da Diversidade Biológica), ou seja, aqueles seres vivos que são introduzidos, intencional ou acidentalmente, pela ação humana em locais fora da sua área de distribuição natural. Quando essas espécies proliferam no novo local ao ponto de causar danos ambientas, econômicos ou à saúde humana, são chamadas de espécies exóticas invasoras. Exemplos como a mangueira e a jaqueira, espécies bem comuns no cotidiano das pessoas no litoral de São Paulo, foram utilizados para demonstrar que uma espécie exótica (ou invasora) não necessariamente é rara ou excêntrica. Foram discutidas algumas formas de transporte e introdução de espécies exóticas no ambiente marinho e sobre a importância de nunca liberar organismos de aquário no meio aquático.
Na segunda estação chegou o momento de conhecer dois organismos, a craca-titã (Megabalanus coccopoma), espécie exótica, e o coral-sol (Tubastraea spp.), espécie exótica invasora, que estavam vivos em aquários contendo água do mar com aeração. Também foram apresentadas a forma de alimentação e o local de origem dessas espécies com auxílio de mapas impressos, além de esqueletos de corais nativos e do coral invasor para visualizar as diferenças entre eles (Figura 2).
Figura 2: Observação de organismos vivos e esqueletos de corais por estudantes de escola municipal de São Sebastião. Foto: Nathaly Pereira Carmona
O impacto causado pelo coral-sol à biodiversidade foi apresentado na terceira estação do circuito utilizando fotografias subaquáticas impressas que permitiram comparar áreas de costão dominadas por coral-sol e áreas com apenas algumas colônias do invasor (Figura 3). Os(as) alunos(as) puderam observar essas fotografias com lupa de mão e verificaram a maior diversidade de organismos macroscópicos (algas, esponjas, ascídias, outros corais) presentes nas comunidades bentônicas em que poucas colônias do coral invasor estavam presentes.
Estas atividades permitiram aproximar os(as) estudantes do conhecimento científico sobre a problemática das espécies exóticas invasoras e das formas de evitar a dispersão não intencional de novas espécies exóticas, além de estimular a curiosidade e interesse sobre os ambientes e organismos marinhos da nossa região.
Figura 3: Observação de fotografias subaquáticas impressas, com auxílio de lupa de mão, por estudantes da escola municipal Profa Maria Francisca. Foto: María Soledad López
Conhecendo sobre as Unidades de Conservação
Dando continuidade ao circuito de exposição, o ICMBio/Alcatrazes realizou uma atividade sobre Unidades de Conservação (áreas naturais demarcadas com a finalidade de proteger a biodiversidade e os recursos ali existentes), apresentando e ressaltando a importância e benefícios do Refúgio de Vida Silvestre de Alcatrazes (REVIS Alcatrazes) e da Estação Ecológica Tupinambás (ESEC Tupinambás). Com o auxílio de uma maquete da Ilha de Alcatrazes (Figura 4), a equipe versou resumidamente sobre o que é e como funciona uma unidade de conservação, utilizando como exemplo o REVIS Alcatrazes e sua biodiversidade de fauna e flora, ressaltando as espécies endêmicas (que só ocorrem naquela área) e a importância da biomassa de peixes para os estoques pesqueiros de todo o litoral na região próxima a essa Unidade de Conservação. Além disso, foram abordadas todas as práticas de visitação no Refúgio: visita embarcada, educacional e de pesquisa.
Figura 4: Explicação sobre a importância das Unidades de Conservação do Arquipélago de Alcatrazes com auxílio de maquete. Foto: Vitória Santos Mendes
A respeito do coral-sol, foi explicado aos(às) alunos(as) as possíveis formas de transporte das espécies até o nosso litoral, o impacto desse organismo no ambiente marinho e as técnicas de manejo que são realizadas, destacando os equipamentos de mergulho que auxiliam na realização desse trabalho, como cilindro de ar, colete e regulador (Figura 5). Para encerrar a atividade, os(as) alunos(as) puderam observar livros, fotos e folhetos sobre essa temática, bem como esqueletos do coral-sol.
Figura 5: Demonstração do funcionamento de equipamento de mergulho autônomo que é utilizado nas pesquisas subaquáticas e nas atividades de controle do coral-sol. Foto: María Soledad López
Para Tânia Facchini, coordenadora pedagógica dos anos finais do Ensino Fundamental da escola municipal de São Sebastião, Profa Maria Francisca, receber o CEBIMar/USP e o ICMBio/Alcatrazes permitiu que os alunos vivenciassem e tivessem contato com o tema “Oceanos”, que foi abordado de forma mais conceitual e interdisciplinar ao longo do bimestre. “A atividade coroou o encerramento do bimestre de forma muito positiva. Os alunos gostaram bastante de participar, ficaram bastante curiosos, e é muito bom ter esse tipo de atividade dentro da escola”, destacou Tânia.
Após as apresentações, alguns(as) estudantes foram indagados(as) com a pergunta ‘O que chamou mais a sua atenção?’
Eis aqui algumas repostas:
ISABELLA LIMA QUINTILHANO (11 anos) – 6º ano A
“O que eu mais gostei foi sobre o coral-sol, sobre os cilindros [de mergulho] e de como eles tiram o coral-sol, que eles pegam o martelinho e a talhadeira e martelam com cuidado para tirar os corais-sol. Já vi a Ilha de Alcatrazes de longe, da praia de Guaecá. Aprendi que lá não pode pescar, não pode jogar lixo, que se os peixes morrerem os tubarões vão ficar sem comida também, porque eles vão lá para comer.”
PIETRO DUARTE DA COSTA (10 anos) – 6º ano A
“O que eu achei mais interessante foi sobre o coral-sol, que é uma praga, sobre as ilhas e os cilindros [de mergulho]. Meu pai já me falou um pouco sobre espécies invasoras. Minha mãe já tinha falado que Alcatrazes é uma área protegida e que não pode pescar lá.”
LUIZA DIAS LEAL (14 anos) – 9º ano C
“O que ficou mais marcado para mim foram os corais, eu nunca tinha visto eles de perto, foi bem legal ver o jeito de alimentação deles, gostei bastante da experiência. Gostei bastante de saber sobre as ilhas, eu nem sabia que existia essa ilha [Alcatrazes], de como as pessoas do instituto cuidam dela, mas eu nunca tinha visto e nem sabia que lá era uma unidade de conservação. E por ser moradora, foi interessante saber das coisas do lugar onde moro. Nasci em São Sebastião, mas sabia pouco sobre as espécies exóticas.”
TAUÃ DE MOURA BARROSO (12 anos) – 7º ano C
“Eu lembro da Ilha de Alcatrazes, que eu não sabia que era tão preservada assim, e gostei muito de saber dos corais invasores, do que acontece e de como eles chegam aqui. Eu sabia um pouco das espécies exóticas por meus pais e tia, mas não na escola. Acho que podia ter mais coisas relacionadas ao meio ambiente, para fazer trabalhos na escola.”
Saiba mais:
Borges, K.; Vieira, M.; Mendes, V.; Álvares, M.; Sousa, F.; Silva, P. & Oliveira, P. (2023) Espécies nativas e espécies exóticas: uma análise em livros de Ciências e Biologia. Research, Society and Development, Vol.12, n°4. http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v12i4.28022.
Silva, D.C. & Silva, L.A.M. (2020) Espécies exóticas e invasoras nos livros didáticos de Biologia: fomentando uma estratégia didática para o ensino. Revista Multidisciplinar de Educação e Meio Ambiente, Vol.1, n°2, ID: 219. Disponível em: https://editoraime.com.br/revistas/index.php/rema/article/view/417. Acesso em: 22/05/2024
Afiliação dos autores:
María Soledad López1, Vitória Santos Mendes1,2, Nathaly Pereira Carmona1,2, Wanderson Pereira da Silva1, Eduarda Espíndola Silva1, Camila Tatiana Pin Garcia3, Estefani de Souza Pereira3 e Juliana Aparecida Leonel Viana3
1 Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo - CEBIMar/USP
2 Centro Universitário Módulo. Curso de Ciências Biológicas. Campus Caraguatatuba.
3 Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, Núcleo de Gestão Integrada de Alcatrazes - ICMBio/NGI-Alcatrazes